Reutilizar e não gerar lixo: esta é a proposta da Keep Eco, embalagem que substitui o filme plástico na cozinha
Aqueles que planejam um intercâmbio, em geral, buscam novas experiências e aprendizados, mas nem em sonhos o casal Carla Viero, 30, e Lucas Costa, 29, esperava que um ano e meio na Austrália mudaria tanto os rumos de suas vidas profissionais. Foi de lá que eles trouxeram a ideia da Keep Eco, uma embalagem ecológica que substitui o filme plástico e o papel alumínio na conservação de alimentos.
Feita com algodão, uma liga de cera de abelha, resina de árvore e óleo de coco – com estampa moderninha – cada “lâmina” fica aderente e maleável, capaz de guardar frutas e legumes ou cobrir pratos e potes, substituindo o filme plástico ou o papel alumínio. O diferencial, além da sustentabilidade, é que o alimento é mantido fresco, pois consegue trocar ar com o ambiente externo. Cada peça custa de 18,90 a 33,90 reais, dependendo do tamanho, e elas podem ser adquiridas em kits. Ao fim da sua vida útil, de cerca de um ano, o produto pode ser compostado, ou seja, e se decompõe, sem gerar resíduos. Comum na terra dos cangurus, o Keep Eco foi, segundo os empreendedores, o primeiro invólucro deste tipo a ser lançado no Brasil, em julho do ano passado.
A produção da Keep Eco ainda é artesanal, feita pela dupla em casa e as vendas acontecem pelo site ou com revendedores cadastrados. São 12 horas de trabalho por dia, em média, entre tarefas de produção e administração, e pouco tempo para a vida de casal, como conta Carla: “A gente almoça e janta falando do trabalho. Essa é uma dificuldade que temos que acertar quando a empresa ganhar mais corpo”.
Os dois são gaúchos, ela de Santiago e ele de Cruz Alta, e se conheceram em Santa Maria, quando eram vizinhos de apartamento, em 2008. Carla fazia faculdade de Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e Lucas se preparava para o vestibular para Engenharia Mecânica.
Quando passou, teve de se mudar para a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), na cidade de Panambi, e com isso o casal passaria os próximos seis anos vivendo um amor à distância (200 quilômetros), com visitas quinzenais.
Ao se formar, em 2011, Carla foi viver na pequena Nova Petrópolis, na Serra Gaúcha, para trabalhar com paisagismo. Nessa época, os dois conversavam sobre a possibilidade de fazer um intercâmbio juntos assim que ele se formasse. Quem sabe, fora do país, conseguissem ficar mais próximos, não é mesmo? Lucas se graduou em 2014, conseguiu um emprego em uma indústria na mesma cidade (enfim, juntos!), mas só em outubro de 2016, quando Carla perdeu o emprego, eles realizaram o sonho de passar um tempo fora do Brasil.
ELES QUERIAM MORAR JUNTOS. CONSEGUIRAM: NA AUSTRÁLIA
Venderam um carro, móveis e pegaram o seguro-desemprego e as economias para investir no sonho. Juntaram 45 mil reais para pagar os custos de passagem, escola, visto e para se manterem por três meses no exterior. Os países que pareciam mais acessíveis eram Canadá, Irlanda, Nova Zelândia e Austrália — que acabou sendo o destino escolhido por ter mais ofertas de trabalho e pelo clima semelhante ao brasileiro. O casal, que tinha passado boa parte do namoro à distância, agora viveria o desafio de morar sob o mesmo teto. Lucas fala deste movimento:
“Quando todo mundo se encaminha para a vida estável, resolvemos gerar uma turbulência indo morar fora e saindo da sequência natural de trabalhar, ter carro e filho”
Eles contam que a vida de imigrantes em Melbourne, cidade que escolheram para viver, não foi nada fácil. Nenhum dos dois dominava o inglês, a grana era curta e os momentos de diversão eram preenchidos somente por atividades gratuitas.
Já, as oportunidades de emprego, quando surgiam, eram sempre operacionais. Carla foi faxineira e garçonete, Lucas, faxineiro, lavador de carros e garçom. Além das limitações do visto, que só permitia empregos de 20 horas semanais, eles tiveram que lidar com o preconceito, como ele conta: “Uma vez, falei que era brasileiro e os donos da casa me deixaram trancado fora de casa porque ‘tinha risco de roubo'”.
Entre o cotidiano de muitos perrengues e alegrias de uma vida frugal, um certo dia, no mercado municipal, Carla conheceu o beeswax wrap (guardanapo de cera de abelha, em inglês), o produto que inspiraria o Keep Eco. Aquilo encantou a jovem, que é filha de apicultor. O casal passou a usar o produto no dia a dia e, depois de um ano e meio de intercâmbio, decidiram que era hora de voltar ao Brasil — com uma ideia de negócio sustentável na bagagem.
No Brasil, Carla pegou um pouco de cera do pai, retalhos de algodão das costuras da mãe, e começou o processo de reproduzir o produto como atividade paralela — para tal, investiu módicos 500 reais —, enquanto ela e Lucas buscavam emprego em suas áreas de formação. “A gente voltou com a ideia de ficar uns dias na casa dos meus pais, mas acabaram se tornando nove meses. Foi difícil para todo mundo”, conta Carla, e prossegue: “No início, a gente mata a saudade, mas depois, com a rotina, não é fácil”.
DE VOLTA AO PAÍS, ELES VIVIAM DE POUPANÇA E… DECIDIRAM EMPREENDER
Em dezembro de 2016, sem nenhuma perspectiva, veio a decisão de se mudar para Joinville, Santa Catarina. Um mês depois estavam longe da casa dos pais. Apesar de buscarem trabalho na cidade, os dois já pensavam em empreender. Vivendo com uma poupança e hábitos simples – lições da época de intercambistas – eles decidiram então unir forças na Keep Eco. Após um ano de pesquisas e testes, em junho de 2017, passaram a comercializar o produto. Foi quando aconteceu “o pior”: foi um sucesso! Maior do que eles, por erros de planejamento, esperavam. Lucas conta:
“Não conseguíamos atender a demanda, foi horrível. Precisávamos de dinheiro mas não podíamos vender porque não tínhamos braços para entregar”
A solução foi dar um passo atrás e, bem, estudar. Fizeram um curso à distância de inovação, pela USP, outro de negócios de impacto social e ambiental, no Sebrae. Daí para a frente, planejamento virou o mantra do casal. Eles passaram a vender o produto em feiras, com o objetivo de aumentar a divulgação, e conseguiram abrir uma loja online, em dezembro. Desde o início, a empresa se autofinanciou com as vendas crescendo a cada mês. Em 2017, o faturamento foi de 19 mil reais.
O sucesso chamou atenção e o casal recebeu propostas de sociedade, que recusou por acreditar que não tinham foco na proposta de valor da empresa, mas apenas em dinheiro. Carla fala que seu produto faz parte de um movimento internacional chamado “Beeswax Food Wrap Movement”, que tem como objetivo reduzir a quantidade de plástico descartado no planeta e que é preciso manter este propósito para seguir adiante no empreendimento:
“O projeto da Keep Eco nasceu ecológico e tem que se manter assim”
No mês passado, os dois acabaram encontrando um sócio um perfil mais alinhado a esta linha de pensamento: Arthur Rancatti. Formado em Comércio Exterior pela Univali e com mestrado em Marketing, em Coimbra, o mais novo membro do negócio tem outros outros negócios na área de sustentabilidade e encabeça a Semana Lixo Zero, em Joinville.
A chegada de um sócio marca a nova fase, também porque, desde janeiro, segundo contam, os empreendedores perceberam o surgimento de concorrentes no Brasil, com produtos semelhantes. Lucas diz que isso não os intimida, e que agora a Keep Eco quer apostar na inovação e em novos projetos que envolvam a permacultura. Para já, diz, planejam montar uma pequena fábrica e abandonar a produção caseira. “A gente tem que fazer o nosso, com a maior qualidade”, diz Lucas. O caminho, por enquanto, parece natural e sustentável, como o produto da empresa.
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